24.12.13

POST 15. MISSA DO GALO

Este ano Pedrinho se esforçava para ouvir o padre velho, gordo e efeminado na missa de natal, ao invés de pensar no porco recheado (semelhante ao padre, aliás), no refrigerante à vontade, nas frutas sobre a mesa que, se não eram gostosas, ao menos eram muito bonitas e que só se via naquela data e, claro, os presentes todos que aguardavam sob o pinheirinho de plástico, mais parecido com um limpador de privada. 
A igreja sempre o impressionou. O templo inspirava uma fuga de tudo o que vivia. Os padres travestidos, as pessoas cantando juntas aquelas canções arrastadas, todas sentando e levantando ao mesmo tempo, as velas... tudo era tão diferente do cotidiano! O garoto fitava as imagens todas exalando dor e angústia, e se sentia culpado. Não sabia bem porquê, mas acreditava que deveria compartilhar aquele sofrimento com elas. 
E Pedrinho lutava pra abstrair de tudo isso, como lutava para compreender as palavras do homem de vestido. Afinal, é o que se espera de um rapaz de 13 anos, não? Que ouça a missa, compreenda e garanta um lugar no céu e na poltronas da sala, quando recebessem visitas. E não contente em ser fanho, o padre falava baixo. Será que era de propósito, para testá-lo? 
Portanto, deveria compreender a tudo. Se não, não era homem feito ainda. Entre um amém e um hosana, o garoto olhava para a mãe, esperando a aprovação complacente da mulher, orgulhosa de seu homenzinho. Ela precisava de um homem na casa, e Pedrinho poderia enfim proteger às irmãs e à mãe. E tudo dependia, entre outras coisas, de entender as palavras de Deus. 
Como já era costume na capela, o sermão não se restringia ao nascimento do Filho de Deus, mas narrava toda a saga até sua ressurreição. Com boa parte já tratada, ali pela hora da crucificação, o rapaz flagrou-se com uma dúvida que o perturbou. Não era pela pergunta especificamente, mas pelo fato de que talvez não estivesse entendendo o suficiente aquele sermão para adultos.
Mãe - ele a puxa de leve pelo ombro - , Jesus sabia mesmo que iria morrer? 
Sua mãe, sem dar muita bola, responde que sim, Jesus sabia que morreria. Era a confirmação que Pedrinho esperava:
Mas ele conseguiria não morrer, né? Ele era filho de Deus, e fazia os milagres que queria... 
A mulher, visivelmente constrangida pela conversa em hora inoportuna, afirmou rapidamente que sim, Jesus era todo-poderoso e poderia sair daquela situação. 
Não era possível que o carpinteiro divino não tivesse pensado nisso, já que era filho de deus, e provavelmente o homem mais inteligente do mundo. Além disso, Pedro já tinha dado a ideia, os guardas já tinham desafiando-no a descer da cruz, e assim ele provaria pra todo mundo que realmente era o super-herói judeu. Então não era esse o motivo.
Mas mãe - ele emendou, e viu a mulher bufando impaciente - Jesus então escolheu se suicidar?
A escolha das palavras não poderia ser mais reveladora da cabeça do guri. 
Como assim, se suicidar, filho???, interrompeu ela, alterada a ponto de levantar mais a voz e atrair alguns olhares curiosos. 
Porque ficou brava? O garoto só estava querendo entender. Será que não estava pronto pra ouvir as palavras do padre? Digo, se Jesus sabia o que iria acontecer, tinha todo o poder pra mudar a situação, e poderia escolher, e escolheu morrer, era como se estivesse usando os outros para se matar. Como se o garoto, palmeirense como o avô e os tios, entrasse uniformizado na organizada do Corinthians e xingasse todo mundo e esperasse ser linchado. Era uma morte escolhida, e portanto um suicídio. O caso de Jesus ainda mais, porque ele poderia sair daquela situação em qualquer momento que quisesse. Jesus era um kamikase, um homem-bomba taleban.
Filho, Jesus morreu por todos nós! - ela disse, como se fosse a coisa mais lógica do mundo, ao que o garoto prontamente respondeu que seria muito mais proveitoso pro mundo que Jesus permanecesse vivo, fazendo milagres e pregando o amor por mais tempo. Afinal, o jornal da noite, as ruas cheias de gente largada, a maldade das pessoas, mostravam que o que ele ensinou não parecia ter feito muita diferença. Imagina o quanto de gente ele poderia ajudar, curar, ensinar... 
A essa altura, a irritação da mulher não era mais vergonha de chamar atenção da paróquia. Que absurdo, questionar Jesus assim! Um garotinho que mal saíra do colo! Filho - disse indignada -, Jesus não se suicidou, ele morreu para que nós não morrêssemos! Para nos salvar!
O garoto então sorriu, concordando. Tudo o que disse foi um "entendi" cheio de significado, como se tivesse ligado um interruptor na cabeça. A mãe retribuiu com juros a expressão de satisfação, apertou a mão do guri aliviada e voltou a escutar a missa.
Pedrinho entendeu meio que tacitamente que crescer talvez fosse isso, dissimular dúvidas e medos genuínos, fingir que está tudo sob controle. E voltou a ouvir a missa também, agora feito homem.