13.5.14

POST 18.

      Não dá mais, Beto, foi o que ela disse depois de uma longa baforada de fumaça em direção ao teto. Respondi com um olhar de quem não está respondendo absolutamente nada, de quem não entendeu e não tem qualquer intenção de entender. Ela ficava emputecida com isso. Não era o torpor pós sexo, só não me surpreendi mesmo com aquilo. É disso mesmo que eu to falando, tentou recomeçar ela, superado o silêncio constrangedor da deixa sem resposta. Tu não te move. Estou tentando romper contigo, e tu continua sem reação, como se tivesse fumado todo beck do universo.
      Acho que a frase formulada a encorajou a continuar.
      O sol tá brilhando lá fora, as coisas estão acontecendo, e tu é alheio a tudo isso. As pessoas vivem, ambicionam, conquistam, e teu maior anseio é ser parte da mobilha desse quarto mofado? Tu me cansa, essa letargia me contamina. Achei que tu fosse intenso, por tudo o que escreve, pela forma como sofre e expressa a dor do mundo. Mas é deprimente estar com alguém que decidiu desistir de viver.
      "Dor do mundo" me doeu foi o estômago, expressãozinha megalomaníaca. Era essa a impressão que tinha de mim, um sofredor romântico com muito a acrescentar? Um sensível? Alguém com pretensão de sentir o mundo? Era burrice me superestimar dessa forma. Mas tem algo sobre ela que sempre admirei. A guria não abandonava sua aparente expressão controlada e altiva, tragando regularmente o cigarro e gesticulando com elegância de pluma no ar quase sem brisa. Então todo discurso dela, mesmo que estivesse implodindo em raiva e angústia, acabava soando a amargura fria. Tinha classe, e aquilo me deixava aceso. Seria muito bom vê-la traindo essa máscara agora.
      Entretido nesses pensamentos banais, deixei de escutar o que ela dizia. Estiquei-me pra pegar o copo com conhaque na mesinha de cabeceira e percebi que nem naquela posição minha barriga sumia. Captei palavras soltas, como 'vagabundo', 'irresponsável' e 'lixo de vida', o que confirmava: o mesmo velho falatório que ouvi de pais, conhecidos e mulheres. A vida toda.
      Era isso: ela finalmente tinha percebido que sou um derrotado. Meu espanto, e sempre vou me espantar com isso, é que se para mim esse é um axioma, uma pedra imutável sobre a qual construí um rudimento de existência, para as mulheres era padrão demorarem a perceber. E partiam assim que percebiam, obviamente. Um velho gordo ranzinza apático pobre sem perspectivas, e às vezes alguma das pequenas via algo em mim. E a gente fodia, ria, bebia, fumava, brincava, dormia, até que ela percebia exatamente com quem estavam perdendo o precioso tempo. Meu tempo não é precioso, ele não vale nada. Meu tempo é o caminho da decrepitude.