24.6.14

POST 19.

      Quando enfim chego no horário marcado, a merda da porta está trancada. É o pot-pourri da minha vida.
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      Mas a espera tem alguma serventia. Tenho tempo de deixar todo o suor que brota do sovaco e das costas evaporar. Seria mesmo constrangedor aparecer suando em picas bicas. Por outro lado, meu nariz escorre e nem sinal de banheiro, o que também é constrangedor. Se chegassem a tempo, a porta estaria aberta, e eu me livraria apenas do segundo problema. Como atrasaram, me livro do primeiro. No dilema dos excrementos, acredito que saí ganhando, porque catarro a gente limpa na calça jeans, e suor não tem muito o que disfarçar... entre a aparência de higiene e a higiene propriamente dita, fico com aquela. Sempre.
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      Sento no chão, de frente pro vira-latas tão velho quanto cansado. Nosso olhar se cruza e estaciona, e é a primeira vez que entendo como os olhos podem ser a janela da alma. Cachorro cansado e sofrido, deve ter apanhado pra caralho na vida. Aqueles olhos não são de privação, de fome ou de frio a que boa parte de sua espécie está destinada. São olhos de profunda cumulativa frustração, de tentar agradar a qualquer preço sem sequer ser notado. Da angustiante procura por aprovação fosse de quem quer que fosse.

      Pobre animal, tem plena consciência de que buscou a vida toda ser um bom capacho para pés sujos de merda, e mesmo nisso fracassou com F de fodido. E é essa consciência que o faz exprimir a cada arfada dificultosa sua indiferença pelo resto de vida que não parece fazer mais questão de preservar. Cachorro velho, logo se vai. Cachorro sortudo. Mas porque vejo um tom desafiador naqueles olhos empapuçados...?
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     Entre fumar, limpar o nariz na calça e desvendar a cabeça de um cachorro, espero que alguém finalmente chegue. Mais uma entrevista de emprego, menos um dia. Chega a ser soturno procurar desesperadamente quem possa comprar um naco de minha vida. E, pior, não a vendo caro: ela me é inútil, e se possui algum valor, é o valor que o tempo tem para qualquer vagabundo. Para qualquer outro vivente, não vale mais que os trocados que pretendo receber. No fim das contas, não tenho sequer do que me lamentar.